terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

ANO DE 1.979: BRUXARIA E FOGUEIRAS




Quando uma cidade brasileira voltou à Idade Média
Popularmente, o termo macumba é utilizado para designar pejorativamente vários cultos sincréticos praticados comumente no Novo Mundo, sob a influência de religiões como o Candomblé e mesmo os cultos indígenas de algumas tribos.
Porém, ainda que macumba habitualmente seja confundida com tais práticas religiosas, os praticantes e seguidores dessas religiões rejeitam o uso do termo para designá-las. A macumba, na acepção mais popular do termo, se refere mais propriamente ao feitiço, ou despacho.
Tanto a Umbanda quanto o Candomblé normalmente trilham suas práticas no caminho do bem, mas existem terreiros que se dedicam também (ou tão somente) à prática da magia negra, fazendo trabalhos que não raro exigem sacrifícios de animais. O sacrifício humano pode ocorrer algumas vezes, como ocorreu no caso ora relatado.
Cantagalo, cidade pacata do Estado do Rio de Janeiro, contava à época com uma população em torno de 15.000 (quinze mil) habitantes. Na época dos fatos, por conta das suas extensas reservas de calcário então descobertas, a região vinha atraindo o interesse de vários grupos internacionais.
No dia 07 (sete) de outubro daquele ano, durante um piquenique, foi sequestrado Antônio Carlos Viana, conhecido como Juninho, uma criança de apenas 2 (dois) anos de idade. Inúmeras buscas foram feitas pela região, mas sem sucesso algum, até que, no dia 14 (quatorze) de outubro foi encontrado o cadáver da criança, sem cabeça e desmembrado.
Durante as investigações em torno do caso a polícia descobriu que rituais eram realizados na Fazenda Bom Vale, de propriedade de Moacir Valente, durante os quais eram sacrificadas crianças, “de preferência louras e do sexo masculino”. O objetivo destes sacrifícios era obter, junto a entidades do mal, vantagens para Moacir Valente em suas negociações com grupos australianos e alemães que pretendiam se associar a ele na exploração das reservas de calcário existentes em suas terras.
Sob a orientação de Pai Ogir ou Ogideir (Ajuricaba Coutinho de Souza), suposto seguidor do que denominava umbanda de Angola, o resultado das negociações com as multinacionais poderia ser favorável a Moacir, desde que este atendesse ao pedido do santo Tranca Rua das Almas, sacrificando uma criança.

A criança foi sequestrada quando estava sob os cuidados de sua tia-avó Maria da Conceição Pereira Pontes, tia de Sandra (mãe da vítima Antônio Carlos) e empregada na fazenda de Moacir. Após o sequestro, Moacir mandou prender a criança num paiol da fazenda, onde a mesma ficou até o dia do sacrifício, quando foi morta por Valdir e Fiote, empregados na fazenda de Moacir Valente..
Segundo o depoimento de Valdir Souza Lima: “No dia 10 eu e o Fiote pegamos o garoto e o levamos para uma figueira que fica na entrada da Fazenda Bom Vale. Lá tem o cercado de arame e, no meio, um altar cheio de imagens. Eu peguei o garoto pelos braços, e o Fiote, com um canivete, cortou o pescoço dele, deixando o sangue derramar numa tigela. A criança deu um gritinho e morreu. Quando já tínhamos tirado todo o sangue, resolvemos esquarteja-lo, cortando os braços e a cabeça. Embrulhamos o corpo num saco de papel e levamos a tigela com o sangue para seu Moacir Valente. Ele bebeu uma parte e mandou que a gente jogasse o resto na cachoeira da fazenda”.

Com a criança desaparecida, todos os esforços para localizá-la haviam se revelado inúteis, levando a polícia a suspeitar que houvesse se afogado em alguma das cachoeiras da região, ou que tivesse sido levada por ciganos, mas não se descobriu nenhuma pista. Até que no dia 14, um tio da criança encontrou os braços cortados e a cabeça jogada num outro canto, próximo a um estábulo da fazenda, e, mais adiante, o corpo com as pernas.
No dia 17, quando Fiote foi preso, já corriam pela cidade as notícias sobre os rituais de magia negra na fazenda. Foi neste dia 17 que Valente decidiu retornar do Rio de Janeiro para Cantagalo, sob a proteção do Coronel Góis, para se apresentar à polícia.
Quase ao mesmo tempo, em Cantagalo, amigos do carreteiro Antonio Carlos Vieira, pai do menino morto, instigavam a população a fazer justiça com as próprias mãos.
Às 19 (dezenove) horas a multidão que começara a se juntar por volta de 15 (quinze) horas já somava quase 2.000 (duas mil) pessoas. Armados de paus, foices, marretas e pedras, rumaram para a Delegacia de Polícia. Apenas 3 (três) policiais civis e 7 (sete) militares lá estavam. Ali também se encontravam presos, em celas separadas, Moacir Valente e Anésio Ferreira (o Fiote).
A multidão forçou a retirada dos policiais e invadiu furiosamente a delegacia, arrebentando tudo o que via pela frente. “Fiote” e Valente foram localizados e brutalmente espancados. Enquanto uns traziam ambos para a rua, outros tratavam de incendiar as viaturas que estavam estacionadas na porta da delegacia.
Segundo Renato Godinho, então delegado de Cantagalo, Fiote e Valente ainda estavam vivos quando foram atirados às chamas.  

(Nota: Fotos do jornal O GLOBO, digitalizadas da revista EROS nº 2 - 2ª quinzena de novembro de 1.979).



                                    Moacir Valente                        Anésio Ferreira (Fiote)
                                         Wilson e Maria da Conceição (implicados nas mortes)


                                        
Os pais de Antônio Carlos 

                                         "Macumba" com galo morto encontrada na Fazenda Bom Vale

Viaturas em cujas chamas foram queimados Valente e Fiote

Jornal da época, tratando do caso.